terça-feira, 25 de agosto de 2009

Um sonho, apenas [...]

Não era uma manhã como as outras. Era nítido de se perceber só de olhar nos olhos daquela garota. Ela estava a sorrir logo cedo, o que lhe causou certo espanto: "Pudera eu ter manhãs como estas, todos os dias", pensou com um sorriso largo a enfeitar seu rosto.

Saiu então pelas ruas a caminhar. Andava sem se importar com os olhares alheios, e então [pela primeira vez] sentia-se nos seus passos.
Passos firmes, a cabeça erguida [o coração pulsando]. Era a liberdade que lhe explodia o peito. Era seu riso fácil e espontâneo que lhe fazia caminhar levemente.
Já não importava mais um passado de sombras, já não havia temor. O medo, companheiro sempre presente, havia se dissipado.
Dona de suas vontades, seu coração batia no ritmo de suas canções preferidas. Não escondia o riso, não escondia o canto que lhe saía involuntariamente.
Já não temia críticas, sabia ceder mas também sabia exigir, arriscava-se, atrevia-se, exprimia suas vontades, suas atitudes eram legítimas, vivia integralmente.
Seus passos, antes miúdos e tímidos, eram agora cheios de vida, como se exprimissem toda a sua essência, toda sua espontaneidade.
Já não era a garota sem graça, a garota invisível, a garota ''boazinha', que tudo aceita, que nada impõe. Olhava com estranha alegria para as pessoas que passavam.
Nada importava, nesse dia de quimeras suaves, ela se via no espelho, ela se habitava. Então, nesse doce intervalo de sonhos [pois fora justamente um sonho], ela estava segura de si, ela acreditava.
Mas, de repente, ela acordou pasma e pequena. E, no meio daquelas ruas, por entre pessoas [frias] de olhares [cruéis], ela alterou seus passos. Assumiu então, gestos miúdos, movimentos tímidos, numa tentativa de parecer invisível. O riso fácil deu lugar a um sorriso nublado, desbotado, sem juventude.
Teve uma impressão de vácuo. Ela já não se via em suas atitudes, já não era mais autêntica, já não exigia, apenas cedia, já não seguia seus próprios impulsos, já não vivia.
Envergonhada da sua própria existência, envergonhada por sua falta de essência, temia acender, temia apagar, queria sumir.

À você
[que é o amor que sempre sonhei ter]


Antes de mais nada, peço desculpas por essas letras meio trêmulas que te escrevo agora. Confesso que me causa um bocado de espanto só de imaginar o que você irá pensar ao ler essas linhas que seguem. Já posso quase advinhar a tua [provável] "cara" de interrogação e teu desinteresse em decifrar as palavras que me saem em traços miúdos.
Talvez eu te cause estranheza, talvez eu te provoque um delicado ar de impaciência. E é bem provável que você leia em passos ligeiros, na ânsia de chegar logo ao final, porque tudo que aqui exponho, só faz sentido para meu coração.
É que você sempre diz que eu devia me abrir com você, mas todas as minhas inúteis tentativas só serviram pra me provar a minha incapacidade de expor o que sinto [ou não]. Encare esta carta como mais uma de minhas tentativas, e espero que possa te causar algum impacto.
As vezes, nesses poucos instantes que temos juntos, eu passo chorando. É o que eu te ofereço em troca das tuas doces manifestações de carinho.
Você não entende as razões dos meus olhos úmidos que transbordam tempestades . E quando tento me conter eu me vejo mais frágil. Chorar faz parte do meu show, faz parte lamentar tudo o que não foi, tudo o que não é.
Não consigo explicar o que me causa essas lágrimas, não é tão fácil assim. Mas deixo aqui nessas linhas um pouquinho do que sinto, pois acredito que você mereça saber.
Confesso sentir um demasiado medo de tudo acabar como sempre. Um ponto final sem explicação depois de um texto não escrito. Sei lá, só tenho pavor de imaginar estórias que não acontecem, relacionamentos que não marcam e você se distanciando a cada dia por causa da minha incapacidade de demonstrar atenção.
Tenho medo do fim, do trágico final sem memórias, medo da impressão que eu deixo, das impressões que não deixo, medo do medo que sinto. Cada ponto final soa pra mim como um atestado da minha inutilidade, da minha incapacidade de criar vínculos, e acabo assim, depois das expectativas, sentindo-me uma decepção.
Vejo teu sorriso e isso me trás um misto de emoções, é como ver um anjo se aproximar, te estender a mão e isso te causar aflição. Você quer agarrar aquelas mãos que te chamam convidativas, mas tem medo. Medo do abandono, medo do porvir, medo daquele sorriso se desviar.
Você vê cores onde eu só vejo sombras e diz que vale a pena seguir de mãos dadas. Mas será? Tenho medo que seja só encanto e, que passe. (...)
Queria sorrir de manhã, e desenhar flores em forma de amor. Queria ser mais pra você, queria ser tudo o que não sou. Como posso eu acreditar num futuro ao seu lado, se o que eu te ofereço é apenas a monotonia de um chão frio e um sorriso vazio. Formulo tantas frases e acabo muda, tento colocar minha dança mais perfeita em prática, mas travo e me esforço para ser eu mesma mas meu eu teima em se esconder..
Sabe, eu tenho me esforçado bastante pra não deixar transparecer minha indignação diante da vida, e tento calar minhas angústias, mas assim mesmo suspiros inconformados me saem. Não queria que fosse assim, vejo nos teus olhos decepção ao constatar que teu amor não me faz diferença. Mas saiba que faz, só não consigo te fazer perceber.
Tudo isso me dói, tudo machuca. E deixa um vazio, o vazio que me causa essas lágrimas. São tantos impulsos contidos, que devo dizer, sinto mais a falta de mim que de você.
Sei que essas palavras podem te soar um pouco insensíveis, é fato. Mas, se você me deixar vai doer, sei que vai, mas dói mais essa falta que eu tenho de mim e que você não entende. Dói não deixar nada de mim.
Finalizando por aqui, para não me estender mais nestas linhas vazias, digo apenas que não são os pontos finais que me dóem. Dói mais a falta de essência no texto que antecede o fim, dói mais ser 'presença insignificante' quando na verdade se sonha em 'fazer a diferença'. Não quero mais viver de limitações, e choro a falta de mim nos meus dias, choro a falta do sorriso que guardo escondido, choro a minha meninice contida, a mesmisse dos dias que seguem, porque sou o que você não vê, sou o que não exponho.
Eu guardo meus vestidos coloridos e me ponho a vestir só de cinza, tudo por minha tendência [doentia] de temer reprovações, tudo por esse medo que me imobiliza, medo de não agradar, de ser insignificante, medo de incomodar.
Então essa falta de mim me enche de um amargo cruel e eu tento esconder os espinhos que tenho nas mãos.
Você sorri como anjo, eu só queria poder sorrir junto, um sorriso tão natural. Queria deixar marcas , não ser a sua decepção quando você descobrir que não sou a menina que você viu no início. Só não queria que tudo acabasse porque o encanto quebrou.

"Choro a falta de mim nos meus dias,
choro a ausência do meu riso espontâneo,
é por que isso choro, e você não entende".

Anah F.S.